quinta-feira, 6 de setembro de 2012

A Verdadeira Independência Um Dia Há de Chegar 

Por Hélio Coelho



I


           No dia 7 de setembro de l978, em plena ditadura militar e civil, em atenção ao corajoso convite feito pela Professora Diva Abreu Barbosa e pelo jornalista Aluysio Barbosa, publiquei na Folha da Manhã o artigo HISTÓRIA E ESTÓRIAS..., apresentando uma visão crítica do nosso  processo de independência política como contraponto às fantasiosas comemorações de então. Ao longo desses 34 anos, fiz alguns ajustes ditados pelas circunstâncias bem como pela necessidade de clarear algumas idéias. Desde então, alimento a vontade de transformar aquele artigo num ensaio com maior densidade teórica e de maiores desdobramentos na narrativa dos acontecimentos que dão sentido a esse processo. Enquanto isso não se realiza,  creio que os elementos centrais da análise que venho fazendo continuam válidos como convite à reflexão sobre a importância do conhecimento de nossa História como instrumento para a prática da Cidadania e do saudável Patriotismo como compromisso e engajamento  na construção de um Brasil mais justo, livre, soberano e feliz para tod@s.


II


         Se analisarmos bem, com espírito crítico e base científica, observaremos que a grande constante em toda a história do Brasil é a crônica situação de dependência. O que tem variado, historicamente falando, é o grau dessa dependência e a forma de nossa inserção nos quadros desse processo. Assim é que podemos dizer que ela se expressa com maior ou menor intensidade dependendo dos fatores internos e da dinâmica do sistema capitalista internacional. No momento, há que se ressaltar, temos desfrutado de maior autonomia  e com um certo protagonismo que dá visibilidade ao amadurecimento de nossa personalidade internacional. No entanto, as relações ainda são assimétricas, mais para uma relativa autonomia nos negócios do que para uma verdadeira situação de independência enquanto libertação pra valer!
Tal situação de dependência vem, há séculos, comprometendo seriamente as possibilidades de nossa afirmação e desenvolvimento enquanto Povo, enquanto Nação. Ainda agora, apesar da propaganda em contrário, continuamos assistindo revoltados, apreensivos e indignados a obsessão pelo superávit primário como “dever de casa” imposto pelos credores internacionais e as famigeradas negociações internacionais, cujas conseqüências sempre foram terríveis para o povo trabalhador brasileiro e para a soberania nacional. Em outras palavras, continuamos dependentes, inebriados pela ilusão dos neons coloridos e pelo burburinho espetacular dos shoppingcenters.  E tem mais: todos sabemos que as empresas multinacionais continuam sugando as nossas riquezas e produzindo relações desequilibradas naquilo que Milton Santos chamou de “globalitarismo”, numa modernização que apesar de alguns avanços sociais, impõe a permanência de elevados indicadores de pobreza, mal estar e sofrimento sobretudo para as camadas populares de nossa sociedade. Povo sofrido pelo desemprego, pela fome, pelos baixos salários, pela falta de moradia e por tantas carências geradas por esse modelo de capitalismo perverso, predador do meio ambiente e tão selvagem que, com sua fúria tributária impede a plena expansão do próprio empresário nacional que se vê humilhado pelas “benesses” concedidas aos que vêm de fora. Capetalismo!!!
Não podemos e não devemos nos iludir em relação a nossa dura realidade. Não podemos confundir desenvolvimento pleno, sustentável, com crescimento econômico mascarado por aquilo que chamamos de “modernização conservadora” que se renova no movimento das relações advindas da globalização autoritária. Somos parte integrante de uma das áreas mais exploradas do mundo, ou seja, América Latina, terceiro mundo. Conforme escreveu Galeano, há mais de quinhentos anos que as nossas veias vêm sendo abertas pelos vampiros estrangeiros e o nosso sangue transferido para os centros do sistema capitalista. Nosso sangue alimenta e revigora os países ricos, enquanto nós crescemos enfraquecidos, raquíticos, subnutridos. É sempre oportuno dizer que é muito importante não termos uma falsa idéia do que fomos e do que realmente somos. Sem ufanismo lírico e sem negativismo pessimista, temos o dever de assumir uma atitude crítica diante da realidade, pois só se pode transformar para melhor aquilo que se conhece bem e corretamente. O perigo da dominação ideológica consiste exatamente nisso: o dominado/alienado, privado da consciência crítica, não consegue compreender/perceber a realidade como ela é. Por isso, além de tornar-se objeto de manipulação, chega a beijar a mão do próprio dominador. Assim, o sistema se reproduz.
Sei que não é fácil adotar uma atitude pautada por essa consciência crítica, uma vez que o próprio ensino da História do Brasil encarregou-se de, por muitos anos, mascarar as dimensões da verdadeira História. Assim é que a história oficial está cheia de mitos deformadores, sendo apresentada sempre como uma sucessão de episódios, “vultos brilhantes” e um rosário de datas para decorar. Só recentemente estão surgindo alguns livros didáticos que colocam as coisas nos seus devidos lugares. No mais das vezes, a história acaba se tornando caudatária da “formação moral e cívica” que mais interessar a uma determinada estrutura de poder. Os anos de autoritarismo ostensivo vividos recentemente deixaram amarga herança nesse sentido.
É fácil constatar como as pessoas, mesmo depois de vários anos de estudo, só conseguiram fixar “grandes momentos” marcados pela ação de “grandes vultos”, reproduzidos nas “grandes telas”. Por conseguinte, ficam com uma outra visão distorcida e fragmentada de nossa formação e dos nossos problemas, aumentando assim a legião dos alienados, impotentes e incapazes de qualquer ação transformadora sobre a sociedade. E o pior que isto não se dá por acaso, pois tal quadro de alienação certamente interessa a alguns setores do Poder, uma vez que um povo alienado aceita até com docilidade as mais diferentes formas de submissão, de dominação, de exploração.
Os leitores já repararam como as camadas populares, suas lutas, seus heróis e seus anseios dificilmente aparecem nos livros de História?
Já notaram a omissão quanto à problemática de nossa dependência anterior e posteriormente ao 7 de setembro de 1822?
Será que as pessoas chegaram mesmo a perceber a íntima relação entre o enfraquecimento do Brasil e o fortalecimento de outras áreas do mundo(“desenvolvimento desigual”)?
Até que ponto temos realmente consciência das camuflagens coloridas com que tentam encobrir a persistente sobrevivência de nossos problemas estruturais? Até que ponto o que vêm fazendo com o Brasil desde 1964 tem contribuído para aprofundar essa dramática situação?
Enfim, em que contexto devemos pensar e situar o 7 de setembro de 1822? Tem sentido ficarmos com a idéia de que a independência já foi feita, reduzida a uma simples manifestação de vontade, num grande dia, por um “grande homem”?
Na verdade, o 7 de Setembro significou apenas um passo nos quadros de um processo ritmado a partir de fins do século XVIII com a conjuntura das conjurações (a Mineira em 1789 – 92, a do Rio de Janeiro de 1794, a Baiana ou  dos Alfaiates em 1798 e a dos Suassunas em 1801), acelerando o ritmo durante o período de D. João com a instalação do Estado Português no Brasil e as medidas que liquidaram o “pacto colonial” (1808 – 1821) e asseguraram a hegemonia Inglesa aqui dentro, tomando o processo rumo irreversível pela separação durante a regência de D. Pedro e a política recolonizadora das Cortes Portuguesas (1821 – 22), rompendo-se a contradição com o episódio do dia 7, e desdobrando-se em lutas, conchavos e apreensões durante todo o primeiro reinado até alcançar a sua maturação com a queda (abdicação) de D. Pedro I em 7 de Abril de 1831.
E como pano de fundo, agindo como impulsionador do processo em sua dinâmica externa, temos que levar em conta a emergência do capitalismo industrial (Revolução Industrial Inglesa). O capitalismo industrial acelera a crise do Antigo Sistema Colonial – do que éramos parte periférica – em virtude da necessidade de mercados, surgindo assim uma incompatibilidade estrutural entre a dinâmica do capitalismo industrial e a permanência ou restabelecimento do monopólio que caracterizara a nossa condição colonial. A independência (separação de Portugal) aparece assim como uma maneira de ajustar ou reajustar amplos mercados aos interesses do capital industrial inglês, centro da nossa dependência econômica até as primeiras décadas do século XX.
Pensar dessa forma não exclui o reconhecimento da existência de homens e mulheres movidos por nobres ideais de liberdade e transformações sociais num Brasil independente. No entanto, estes patriotas sinceros não foram os que tiveram a hegemonia na dinâmica interna do processo.  Assim, é claro que muitas pessoas participaram do desenrolar do processo em si, tanto os precursores como os que efetivamente o conduziram. Nossas classes dominantes (internamente dominantes, externamente dominadas) articularam com precisão os seus novos interesses no quadro das possibilidades que se abririam, como de fato se abriram, sem a presença de uma metrópole de intermediação leonina em suas transações. Perceberam o espírito da coisa? E, mais: para garantir o controle político sobre a nação, depois do 7 de setembro mantiveram a escravidão, o latifúndio, e estabeleceram que só poderiam votar ou ser votados aqueles que tivessem uma determinada renda anual resultante dos bens de raiz... Como se vê, os homens simples do Povo que participaram das lutas pela Independência (separação...) ficaram completamente excluídos, marginalizados, logo depois. Afinal, muito embora tenha significado um avanço em relação a nossa condição anterior, é bom lembrar que a independência (?) não foi feita para  povo como um todo, mas, sim, para assegurar e ampliar privilégios das minorias dominantes como acontece geralmente em todos os movimentos “vitoriosos” no Brasil. Em outras palavras, o povão sempre ajuda a fazer mas na hora de participar dos benefícios da mudança é posto de lado e se vê sempre obrigado a suportar o maior arrocho por parte dos que sobem ao poder.


   III

Prezados leitores: em meio a uma conjuntura política de tantos “ismos” e marcada por desvios éticos e desavergonhado cinismo, corrupção e impunidade, assolados por uma situação quase que de anomia pelo esgarçamento do tecido social respingado pelo sangue da violência e pelo fantasma da precarização do trabalho e do emprego, estressados pela insegurança e tensos com o recrudescimento das seqüelas das múltiplas dimensões da questão social país a fora, e por que não dizer? também felizes por alguns avanços sociais e pela conquista da auto-suficiência de petróleo pelos trabalhadores da PETROBRAS,  e ainda vivendo entre esperanças e preocupações com os mega-investimentos na região, eis que estamos sob os efeitos das comemorações do 7 de Setembro. São 190 anos de independência nos quadros de dependência! Porque me considero um patriota sincero, mais uma vez consegui colocar ao alcance público essas reflexões críticas para demonstrar, sem “patriotadas”, o meu profundo amor pelo Brasil. Às vezes é duro enfrentarmos a realidade. Mas não podemos viver de ilusões quanto ao presente e nem quanto ao passado, idealizando situações que nem sempre correspondem à realidade. Temos que ficar atentos para separarmos o joio do trigo com bastante clareza: o novo nome da dependência é o neoliberalismo e seus desdobramentos pós isso e aquilo...
Por último, em meio a tantas estórias, é preciso que cada um seja capaz de assumir a sua condição de sujeito para renegar a condição imposta de objeto da História. A História é Vida. E por ser vida, exige que cada um tenha coragem de dedicar a sua própria vida ao trabalho de construção e conquista da verdadeira Independência do Brasil que um dia há de chegar adornada de encanto sob o Sol de nova primavera, perfumada pelo vento da liberdade, da democracia plena em vivências reais, justiça e igualdade social, e conquistada pelas mãos de um povo tão cansado de sofrer, mas  que  sobrevive  e  resiste  porque  ainda  conserva  a  Esperança  de  viver  numa PÁTRIA LIVRE, MÁTRIA ADORADA E FRÁTRIA  DA FELICIDADE COMPARTILHADA!
*Hélio Coelho é Professor da Faculdade de Direito de Campos e da Universidade Federal Fluminense (Serviço Social de Campos ).
Da Academia Campista de Letras.